sexta-feira, 24 de outubro de 2008

na academia - A Biblioteca, de Gonçalo M. Tavares

Este livro, como o próprio Autor refere, pode não ser lido de uma vez. Trata-se de uma série de pequenos textos acerca da obra de muitos Autores. Deixo aqui a transcrição dos textos sobre Boris Vian, Ezra Pound, García Márquez, Hermann Broch e o último Nobel, J. M. Le Clésio. Mais informações sobre o Autor aqui.

Boris Vian

O meu saxofone é uma garrafa de rum que me faz cantar, mesmo com a boca cheia de garrafa.
E tenho bombas atómicas em comprimidos que se tomam: dois depois do almoço, um após o lanche, e um antes de deitar. Pode um método de destruição maciça ser individualizado sem perder as suas principais características? Eis uma pergunta interessante a que ainda não se deu a devida atenção.
E havia um homem cujo saxofone não tinha notas, mas metáforas.

Ezra Pound

Um violino tocado por um corpo de estômago grosseiro.
A espiritualidade avança no organismo apesar do aparelho mecânico colocado no coração. O By-pass não interfere com Deus: os batimentos dos dois mundos seguem caminhos diferentes. Os médicos não recomendam canções; e cometem ainda outros erros.
Negócios com os beijos não se fazem, caro Lorde, a não ser nas boas sociedades.

Gabriel García Márquez

Na Primavera os mortos não têm ossos. No Inverno, sim.
Na Primavera os mortos terão pólen e vísceras, mas ossos não. No Inverno, sim.
Mas os homens morrem todos no Inverno.

Hermann Broch

Um homem caminhava depressa. Havia a chuva por cima, lenta mas constante; e o chão por baixo: a caminhar tão rápido como o homem, mas em sentido inverso. A chuva ao cair no medo de um homem faz dele mais forte, e ao cair no metal – em cima de um carro, por exemplo – faz dele mais fraco.
O metal enfraquece com a chuva; e os homens, como algumas plantas, crescem com certa água em certa inclinação.

J. M. G. Le Clezio

Duas narinas para dois pulmões, a mão direita para escrever o livro, a mão esquerda para acariciar o gato.
Gatos pretos devem ser acariciados com a mão esquerda e gatos brancos devem ser acariciados com a mão direita. O contrário dá azar.
A nudez é o uniforme do massacre. Mas a nudez dos homens que não trazem a Natureza em baldes para a despejar em fábricas inteligentes, é outra. A nudez pode ser o uniforme do amor como se por vezes existisse um exército de dois, que não tem no mundo um único inimigo.
Aquele que ama é um exército de 2, sem inimigos.
Aquele que escreve é um exército de 1, sem inimigos.



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